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domingo, 26 de fevereiro de 2017

NOITE ADENTRO

deveria talvez apagar a televisão - gente exaltada discute ninharias com pompa inadequada, sobretudo inoportuna

crises múltiplas em todas as frentes assolam a Terra, a maior crise global da história registada, creio

(pode ser que dos céus desabe, um destes dias, uma chuva de gotas amplas de fogo... línguas limpas, escaldantes, impregnadas do antídoto para tanta ruindade e equívoco)

pensar sobre mim, sobre quem sou e ao que venho
deixar assentar as poeiras da ansiedade por não chegar para tudo

tudo...o que é tudo, pergunta uma futura eu, encapsulada nos sonhos da actuante presente – fazem-se tantas coisas, matam-se outras tantas para realizar aquelas, mato-me a mim, eu que sinto todos os sons do universo a buscarem o verbo na minha pena

(emails por responder, o esforço para o deal a querer adiar-se porque cáustico para a tenra interioridade, vender, convencer, pagar as contas, levantar, despertar, indispensável alarme, sem tempo, sem mim)

a minha atenção focada agora no sagrado deste quase silêncio, imperceptíveis sons da noite a rendilharem quietude no ser esgotado

(sinto a voluptuosa rosa salmão, oferecida à minha Flor Morta, como um facho de glória e de triunfo sobre o que desaba...nada mais relevante que essa rosa-amor no cenário absurdo das minhas produções)

ressoam, de eras outras, vozes sábias, antepassados presentes em mim, calafrio bom a percorrer a espinha dorsal como um afago
(cor, centro, coração, do teu campo magnético emana a minha maior força, pensamento-coração, dádivas-coração, sentimentos-coração, coração quero-te florido como um andor de Páscoa a desfilar imponente pelas artérias impolutas da vida que sei ser possível)

que o meu bafo perpasse, como brisa inspiradora, tudo o que o meu toque  achar no caminho, que haja coerência entre o ritmo que adentro em mim soa, mântrico e imparável, e o gesto produtivo destas mãos incansáveis

(não quero pensar no que me falta, apenas levantar o véu da impossibilidade que me embacia a luz própria)

ir mais fundo, aquietar os tons e os sons dissonantes, empoleirada na nuvem enraizada do meu ser de agora
(pode ser que a epifania me ilumine, numa hora próxima, inesperada como a morte e me conduza miraculosamente para a Vida de verdade)

outra vez...o Trump já fez mais trampa, ninguém entende como está lá e como prossegue, excepto os poucos que sabem como se processam estas coisas da sombra

(pode ser que dos céus desabe, um destes dias, uma chuva de gotas amplas de fogo... línguas limpas, escaldantes, impregnadas do antídoto para tanta ruindade e equívoco)

não posso esperar...vida à superfície demasiado curta
entrar no esforço da redenção, por mérito próprio, emanado do centro como um raio de luz inviolável
aquietação
vozes deslembradas
silêncio para poder escutar

noite adentro



terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

OS MUROS DA VERGONHA

We shall go on to the end. We shall fight in France, we shall fight on the seas and oceans, we shall fight with growing confidence and growing strength in the air, we shall defend our island, whatever the cost may be. We shall fight on the beaches, we shall fight on the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hills; we shall never surrender.
WINSTON CHURCHILL

Quando nos primeiros anos da década de 90 visitei o que restava do derrubado Muro de Berlim, senti a exaltação que muitos  bem-intencionados ingénuos experimentam frequentemente ante a queda de impedimentos absurdos e vergonhosos à livre prática da existência humana no planeta Terra e à legítima inter-conectividade entre todos. Tombara finalmente o Muro da Vergonha, vinte e oito anos e montanhas de sofrimento depois da sua perversa construção. Já em 1987, Reagan havia com arrojo desafiado Gorbachov a deitar abaixo essa parede discriminatória entre duas metades de um mesmo povo. Há um sinal de que os soviéticos podem fazer que seria inconfundível,ca que faria avançar dramaticamente a causa da liberdade e da paz. Secretário Geral Gorbachev, se você procura a paz, se você procura prosperidade para a União Soviética e a Europa Oriental, se você procurar a liberalização, venha aqui para este portão. Sr. Gorbachev, abra o portão. Sr. Gorbachev, derrube esse muro. Dois anos depois, caía a aviltante muralha.

Os dias que atravessamos, com alguém insano e imaturo na Casa Branca a vomitar a toda a hora decretos e ordens que contrariam em absoluto o espirito de liberdade e da necessária união entre os povos da Terra e partilha dos problemas inerentes, está a desencadear guerras abertas por todos os lados., Estou segura que outros alimentarão como eu, no meio do desespero, a esperança de que a absurda presença e miserável comportamento de Trump na Casa Branca, possa catalizar a consciência colectiva para o repúdio da fascista ordem de valores que a nova administração procura implementar. Esta reflexão conduziu-me de volta ao pensamento desenvolvido pelo filósofo alemão Hegel entre os finais do séc.XVIII e as primeiras décadas do século XX, com base numa tese originalmente criada por Fichte, seu contemporâneo. Segundo Hegel, os pilares fundamentais do progresso  acabam por resultar do encontro entre a tese e a antítese. Desse encontro e do que for possível conciliar de ambos os campos, surge a síntese, base de todo o progresso.

Dada  a impermanência de tudo quanto vivemos, quero albergar as minhas aflições relativamente a este assunto, na brilhante reflexão dos filosofos alemães e nutrir a esperança de que a síntese a sair do crescente confronto possa preservar os valores fundamentais da liberdade de expressão, criatividade construtiva, direitos das mulheres e das minorias, solidariedade para com a carências de milhões na Terra, respeito pela Mãe-Natureza e renascimento das grandes causas radicadas na nobreza do Espírito.

Há muros da vergonha de muitos tipos, mas nem sempre estamos deles conscientes. Todos, em geral, derivam da ascenção ao lugar de deus supremo da força bruta e da adoração ao dinheiro sobre todas as coisas.

Povos da Terra que ainda  conseguem fazer ouvir a vossa voz, não permitamos, unidos, por todos os meios ao nosso alcance, que mais muros da vergonha se voltem a erguer. Temos já suficientes desafios nos erguidos até hoje.