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sábado, 9 de novembro de 2013

LUXO



Sempre escolhi o luxo e tenciono continuar a fazê-lo!

Eis uma frase politicamente incorrecta e que pode atrair todo um chorrilho de críticas e até ofensas por parte de quem a ouve num mundo como aquele em que vivemos, ensombrado por vastas áreas de miséria e sofrimento e em que a esmagadora maioria vive abaixo de níveis suportáveis de pobreza.
Será por isso importante que eu aclare algo que muitos já esqueceram e que está na raiz da minha afirmação.

No coração da palavra “luxo” vive o seu étimo latino, Lux, o qual como é sabido, significa Luz. Assim, escolher o luxo é, para mim, trazer luz a todas as áreas da vida, tingir de luminosidade aquilo que, de outro modo, se apresentaria neutro ou mesmo ensombrado.
Luxo é escolher a beleza em todos os cenários em que me movimento. A beleza está à nossa disposição por toda a parte pois vivemos num planeta essencialmente belo. A escritora açoriana Aldegice Machado da Rosa escreveu um dia que nunca compreendeu por que é que a chita tem de ter padrões feios, se custa exactamente o mesmo fazê-los bonitos.
Luxo é buscar o conhecimento por todos os meios ao meu alcance, ser capaz de escolher as  melhores fontes, utilizar as novas tecnologias de forma maximizada para esse fim, comprar os livros desejados, ter tempo para escrever o que a minha alma me pede.

                   Luxo é sentir o amor dos que me cercam, dispor de tempo para fazer programas com os meus netos, sentar-me na biblioteca com o mais velho e passar-lhe versões adaptadas à sua idade  do pouco que vou sabendo.
Luxo foi a opção quando, ainda muito jovem, não abdiquei de ter flores e velas no meu pequeno apartamento em detrimento de refeições completas, a certa altura do mês.
Luxo é poder receber  hoje na minha casa a minha mãe velhinha e impotente perante a doença e a idade avançada e proporcionar-lhe afecto, conforto, cuidados de saúde, uma antecâmara luminosa para a partida desta dimensão.
Luxo é ter alguns poucos amigos de espírito afim e com eles partilhar a jornada, luxo é conseguir dividir os meios próprios com quem mais precisa e não me sentir defraudada ou diminuída de recursos.
Luxo é não reter, é optar por utilizar as melhores porcelanas no dia a dia, encher a casa de flores, é ter um jardim, uma horta e cuidá-los com amor.
Luxo é ser mãe de filhos que me amam verdadeiramente e me respeitam, ser avó de netos com quem se esboça uma relação gratificante e fundada na alegria e celebração da vida.
Luxo é colocar no meu corpo os trajes que ele pede, independentemente de modas ou da opinião alheia, para assim melhor me poder manifestar.
Luxo é considerar que uma determinada obra de arte  que me toca particularmente e que está nas minhas mãos há-de atrair a casa certa para eu morar e isso acontecer.
Luxo é buscar-me a mim mesma e viajar na barca da determinação e da humildade para o meu centro, não obstante as distracções.

Luxo é luz para o meu ser e para o que me rodeia e não tem para mim a conotação de sumptuosidade excessiva, culto do supérfluo caro e símbolo de “status” com que o comércio e a sociedade tingiram a palavra.  A humanidade actual tende a esquecer a origem das coisas, fixa-se no que lhe é hoje apresentado como facto consumado e tal processo não pode servir a evolução pois esta só ocorre de forma sustentável se correctamente informada.

Luxo é também poder escrever sobre este tema e ter-te aí do outro lado como receptor e, espero, critico construtivo.

Quadro: CATRIN WELZ-STEIN

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

FLOR VIVA DA IDENTIDADE



Falo busco o teu sorriso, sinal mínimo que seja de aprovação ou alento, persiste aparente desinteresse , na rua tudo igual carros motas-chiadeiras  campainha da porta telefone que não atendo, maçada de desarrumação e tenho fome.  Poder continuar a erguer desconstrução das falácias mas…e se tu fores uma delas?
Ninguém pode alhear-se do todo para sempre, precisa-se que nos digam qualquer coisa – bom mau assim-assim odioso repelente sublime – a identidade é uma flor viva a pedir rega.
Consolo o teu lamento como posso, alegas desvantagens princípios tortuosos ADN e outras paredes altas intransponíveis para a realização. Se renascidos a cada etapa escapamos à auto-ilusão de transferir responsabilidades, pois, como foi que não nos reformulámos e adaptámos às experiências vividas, ego escondido ausente de férias encapotado dissimulações várias. O ego actor central na interacção com o meio esgueira-se – ágil destreza atrás dos muitos papéis inventados a patinar sempre  sobre a culpa dos outros – cuidado com ele amante de teatro que nos aparta do essencial. Cuidado com ele – a fazer sempre falta fornecedor de referências valiosas para a compreensão do mundo.
Ah, estamos feitos!  Em geral, sim. Compulsão fantasiosa auto-percepção da nossa incomparabilidade, narcisísmo individual ou comunal, irresistível elistismo sempre a bater à porta ante a mediocridade geral. Raro mesmo é o sentido integrado da nossa identidade, ego estável relacionamento descomplicado com os outros, toalha da confiança básica estendida com brio sob os altos e baixos da passagem.
Uns da acção outros da contemplação mas há que nutrir q.b. a fonte da iniciativa, cada ser com a sua, está-se no ponto quando a pacificação interior se instala de vez, alegria não dependente da aprovação alheia, mas a fazer falta o feedback algo mais que os likes do facebook, visita à interioridade do outro no amor possível.

Serei eu…a falácia? Apropriadas as palavras conceitos livros palestras, donde vem tudo isto se aqui dentro dorme ainda a crisálida, tudo incerto titubeante em rascunho,  esboço de sopro a querer ganhar asas, o medo colado às comportas do ser aguarda a sua hora sempre adiada.
Necessidade mútua, verdade precisa-se, genuina antiga como a luz do princípio dos tempos que o físico protuguês diz ter viajado mais velozmente que nos dias actuais.
Na rua tudo igual, sol do meio dia sol do dia todo agora que há seca, dizem que é bom olhar para o espelho contar as bençãos fazer listas planear a vida. Dizem tantas coisas, vá-se lá saber…
Consolo o teu lamento como posso, sem frete. Trazes marca distintiva, olho antigo alma de poeta fogo circunscrito contudo, seria bom revermos a matéria, arrumar as mágoas, assumir o enquinado. Seguir em frente que a hora é breve, não-lugar não-tempo para escolhos ilusórios conversa fiada hipérboles do nosso contentamento pequenino auto-contido miseravelmente explicado.
Precisamos da rega para que a flor viva se revele num esplendor maior.

Quadro: Armen Kasparian