Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, 28 de março de 2013


O FIM DO SILÊNCIO

Não é necessariamente pior do que outros tantos vendedores de ilusões no grande manicómio da política. E está mais bem preparado do que muitos para a sua “arte”.
Uma hora e trinta e dois minutos em horário nobre da televisão estatal, durante os quais reduziu à condição de alforrecas os dois jornalistas que tentavam em vão interrompê-lo, dirigir o barco de algum modo. Disse ao que vinha, defender-se das calúnias, repôr a verdade dos factos, contribuir para o debate político, pro bono, no seu país acossado por uma austeridade infrutífera nos propósitos declarados mas altamente destruidora do que resta. Falou até da necessidade de manter vivos a esperança e o sonho.
Tudo verdade, sendo tudo mentira.

O problema do nosso tempo é a falta de referências. A começar por si mesmo, o ser humano não consegue acreditar em nada de forma continuada e é, em consequência, presa fácil de quem tem ou mimetiza profunda auto-confiança e desliza com agilidade pelo discurso politico, tocando aqui e além, como quem não quer a coisa, os pontos sensíveis de quem sofre na pele. todos os dias, a crescente dureza das condições de vida.
Cuidado, gente! Não basta desligar a televisão, chamar-lhe nomes, escrever posts contra ele.
O que seria preciso era ouvi-lo, dissecar-lhe o discurso, ser capaz de ir mais além da insana mas convincente máscara de que se reveste e na qual ele acredita profundamente. Era urgente ser-se capaz de fazer isso com ele e com os outros todos que empossámos para governar as nossas vidas e que por aí andam a dar cabo delas.
José Sócrates não é o diabo, nem o único responsável pela desgraça que sobre nós caíu. Ignorar-lhe as capacidades é perigoso, diabolizá-lo mostra ignorância e falta de senso.
Não se admirem se a opinião pública apresentar em breve sinais de mudança.
Em terra de cegos quem tem olho é rei.
E a narrativa, como ele começou a gostar de dizer, pode ainda mudar muitas vezes...

 http://www.rtp.pt/play/p1164/e112169/socrates-o-fim-do-silencio


sexta-feira, 22 de março de 2013


O NARCISISTA

O narcisismo nos relacionamentos é muito mais frequente do que se poderia imaginar. Por este motivo, muitas relações que começam de forma gloriosa acabam em desastre.

O que é um narcisista e como se comporta?
Conceito de difícl definição, já que hoje todos parecemos enfermar desse mal, em maior ou menor grau …
 
O narcisista é aquele que diz amar-se a si mesmo sobre todas as coisas mas a quem só o seu“self” interessa verdadeiramente e cuja prática de vida tem de, por norma,  acarretar auto-gratificação.

Distingue-se este personagem por uma atitude mercantilista no que se refere aosrelacionamentos e, como nunca se envolve de forma profunda, jamais chega a ligar-se verdadeiramente com alguém. Nunca a sua alma alimenta o diálogo com a essência íntima do outro.
Assim, este outro é uma moeda de troca, uma “commodity” fácilmente substituível.
O comportamento relacional do narcisista é lúdico pois ele vive à superfície e na periferia do seu ser. Todo o glamour que caracteriza a fase inicial dos seus relacionamentos, nunca chega a traduzir-se em substância ao longo do tempo.
A quase inescapável atracção que o narcisista exerce invariavelmente sobre o outro explica-se em parte porque também neste  o ego se sente gratificado pela atenção que lhe é dedicada  por, de modo geral, uma figura elegante, carismática, com sex appeal e muitas vezes com hábitos de vida caros e prazenteiros a que o ser humano ora enfeitiçado nem sempre tem acesso na vida de todos os dias.
Assistimos no narcisista a uma incapacidade para o compromisso e para qualquer, ainda que remoto, tipo de sacrifício.

Os traços subjacentes às  personalidades narcisistas encontram nos tempos que correm terreno fértil para desenvolvimento. Tudo na cultura popular e dos media sugere um atraente potencial de sucesso para o narcisista, ou seja, aquele que tem um sentido grandioso de si mesmo e que se sente, por conseguinte, com direito a um melhor tratamento do que os outros por se sentir especial e único.
O narcisista brilha socialmente e, só quando a vida o confronta com os seus inevitáveis testes, ele se revela com maior verdade através  da indiferença e mesmo crueldade com que não permite que nada atrapalhe o seu egóico rumo.

O narcisista começa, como vimos, por ser atractivo e sedutor para os outros. Ele está imbuído de auto-paixão e é uma lenda para si mesmo. No entanto, a prazo, essas características acabam por se reflectir negativamente nos relacionamentos pois ninguém pode alimentar nada de criativo a olhar  mesmerizado para a própria imagem como se o mundo começasse e acabasse nela.
Há uma errónea tendência para confundir narcisismo com uma boa auto-estima. Enquanto esta representa o pilar seguro de uma personalidade estruturada e saudável, os traços narcisistas – os quais, como já referi, existem em diferentes graus nas pessoas podendo atingir níveis de desordem grave – porque exageradamente focados num só ser, acabam por atingir gravemente tudo e todos à sua volta, em especial o próprio.
Um narcisista é, de forma geral, arrogante, detém um ilimitado sentido de superioridade, sente que tudo lhe é devido e que não se submete ao que está abaixo do seu estatuto. Essencialmente egóico, centra as conversas à volta de si mesmo, vê-se e descreve-se como protagonista fabuloso das histórias fantasiadas que alegadamente lhe acontecem e alimenta relações tendo em vista as suas próprias necessidades narcisistas. Não está particularmente interessado no outro (a não ser para os actos dos quais possa sair auto-glorificado), a bitola para todas as coisas passa pela resposta à pergunta que sempre se coloca: “Como é que isto/esta pessoa me faz sentir/me serve?”
Alimentar o ego desproporcionado, sentir-se bem, parecer ainda melhor e ouvir apenas aquilo que possa agradar aos traços doentios de uma personalidade  espelhada no lago da popularidade, do ser-se especial e do sucesso constituem, em resumo, o leitmotiv  deste tipo psicológico.
A exacerbação do materialismo (com todas as desordens que lhe são inerentes) tem dado origem, e nomeadamente neste milénio, a um acentuado crescimento destes traços entre os mais jovens. Na base do fenómeno vive a ausência de valores espirituais, única força capaz de conter e transmutar a agressividade e a violência que por todo o mundo proliferam, bem como desmascarar a falácia da autopromoção e da crença em se ser único e melhor do que o outro. A muito alimentada fantasia de que a pessoa é melhor do que realmente é – e certamente melhor do que os outros à sua volta – ignorando a realidade dos factos, está na origem de uma desordem individual e colectiva que começa a atingir níveis inquietantes.  O facilitismo na educação – pais indulgentes que com ilimitada complacência buscam construir a auto-estima dos filhos com elogios exagerados e um sistema escolar que baixa o nível de exigência e inflaciona as notas para corresponder aos requisitos das estatísticas -, o irrealismo do crédito fácil (a que até há pouco se assistiu) de um sistema financeiro ganancioso e virtual, bem como a constante pressão a todos os níveis para nos tornarmos “mais belos, mais ricos, mais bem sucedidos” do que o outro, tem levado as gerações mais novas a um beco sem saída bem representado na superficialidade dos “reality shows” onde perece toda a dimensão espiritual do ser.
Em resumo, o tão cantado “amor a si próprio”, quando de inspiração narcisista, ameaça tornar-nos num mundo de egocêntricos, obsessivamente concentrados na nossa aparência, bem estar pessoal, poder material e apenas e só naquilo que possa servir os nossos interesses pessoais. O narcisista tem sempre grandes expectativas em relação à sua vida mas é irrealista nas correspondentes projecções de fama e estatuto e no que se refere às suas capacidades pessoais.
A mulher sai especialmente afectada deste fenómeno, pois as características próprias da sua sensibilidade não se coadunam com a pressão e as tensões a que o fenómeno narcisista dá lugar. Num artigo publicado no “Guardian”(2009), Madeleine Bunting refere que a identidade das mulheres foi sempre emoldurada pelos seus relacionamentos- como mães, filhas, esposas, amigas e irmãs e que a “relacionabilidade” é ainda central para o modo como as mulheres vivem as suas vidas. Contudo ela não se coaduna com esta cultura individualista, intensamente competitiva e narcisista.  Isto dá-nos a pista para a cura de um mal que hoje ameaça atingir proporções epidémicas. Como em muitos outros campos, é ainda da mulher, geradora de vida e principal formadora do mundo de amanhã, que a consciência destes factos tem de emergir. E é principalmente dela que se espera a denúncia dos mesmos e as linhas orientadoras conducentes a um mundo mais são, onde se faça de novo sentir a música do espírito.