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sábado, 26 de janeiro de 2013


CARTA AO ESPÍRITO DE UMA ATACANTE

Je t’écris…
Escrevo-te, içando-me com serenidade para fora da tristeza causada pela tua acção, pela tua falta de discernimento sobre a vida e o poder temporal, a qual está na origem dos teus actos irracionais e de grande injustiça sobre os outros.

Mas hoje, escrevo-te, não para te incriminar – sei que és mera agente de forças que não controlas – mas para te validar. Não me creias, contudo, altruista, caritativa ou especialmente boa. É uma questão de tentar entender as leis da vida, à luz do que já se vai sabendo. Estou na ponta da tua injusta espada e a minha sobrevivência prende-se na compreensão do momento para além das aparências e com a tentativa de apaziguamento da tensão que inexplicavelmente estendeste até mim.
Não quero alimentar o conflito. Nada se perde, tudo se transforma na dinâmica da frequência em que nos movemos e, assim, não te preocupes nem construas falsas teses para justificar o teres voltado com a tua palavra atrás. Já transmutei a angústia que me causaste num silêncio interior de paz em que o episódio deixou de me afectar. E quero que saibas que, neste preciso momento em que se tecem as maiores intrigas no mundo que habitamos, em que o ódio e a ganância em escalada monumental matam e destroiem, neste mundo onde se morre de fome, de doença e, sobretudo, de falta de consciência, eu escolho uma senda diferente para o nosso tête-à-tête.
 Visualiza comigo a rosa, a rosa mágica, pura, completa, envolvente, mãe da beleza e sabedoria, a rosa branca do segredo mais belo que te habita, o teu Eu profundo e essencial.
 No centro das suas pétalas fragrantes vislumbro o teu espírito, cheio de liberdade e sonho como o meu, sinto a feição de meiguice e feminilidade que a tua personalidade esqueceu e…venero-te. Venero-te assim, espiritual e autêntica, presto homenagem  a essa flama divina e desejo, minha amiga, que ela possa alcançar maior expressão  através da tua personalidade, nos dias do porvir.
Irmano-me a ti, neste nível, desfeitos os liames da suspeita e do controle, o vício do lucro a qualquer custo.
No seio da rosa, vejo-te como nunca te vi. És bela, muito mais do que a tua mente perturbada anseia por demonstrar no veículo físico. Olha-me como eu te olho e deixa que a força magnética do teu sentir influxe os teus gestos na Terra. É esse o teu verdadeiro Eu e só com ele poderás restabelecer a unidade, sem destruir tudo à tua volta. Redimensiona os teus sonhos através dele e opera assim os milagres que as leis do mercado capitalista dos humanos terrestres jamais poderão conseguir.

Valido-te. Valido-te com reverência no seio da rosa.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

NA PERIFERIA DO MUNDO


A forma que me reclama vem do fundo do olhar de um sagrado em ligação estreita com o conhecimento imoderado da vida em todas as suas expressões, visíveis e invisíveis.  Para dela mais me acercar, essencial que me continue a situar na periferia de um mundo enlouquecido, desligada de normas aberrantes, pois o meu caminho faz-se de modo transgressório, poeticamente montada na sabedoria do sonho cujo canto embate na ordem vigente.

Vestida de uma eterna vigilância, suspeito de tudo o
que não  engatar com a sabedoria das entranhas pois o que não faz sentido prende-se em geral com a falsificação da realidade. A unidade para mim é visceral e o meu contrato é com a Esperança, companheira constante num trilho de contornos inquietos mas desbravadores.
Aspiro à consonância com o ritmo cósmico, desligada das armadilhas do quotidiano, imersa nos fluxos da Supravida, apanhadora de sonhos livres,  de voos íntimos e audazes, insubmissa ante a autoridade terrena, fabricada com motivos ulteriores..

Prossegue, contudo, o consenso incontornável com os instrumentos da sobrevivência, navego numa espécie de jangada em equilíbrio precário entre as margens do que já foi e do que está para ser.
“Venha a nós o Vosso reino, assim na Terra como no Céu”.



sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

FAZ-SE CAMINHO AO ANDAR


Aonde toco, dói. Apesar do passarinho insistente a cantar na grade barriguda da minha janela virada para o monte antigo, do conforto infinito dos momentos roubados ao dever para esta intimidade anímica. Apesar de saber como, porquê, para onde se vai, que não há alternativas  ao paramétrico páteo da vida e que só dentro dos seus limites tudo se passa, mesmo assim atrevo-me.
O sonho é o trampolim para o impossível e nele ensaio os passos de uma dança ainda não inventada, a parte determinante do todo, como quem busca casa a partir de um quadro que ama e cujas dimensões exigem uma grandeza de espaço inacessível à bolsa magra. Ainda assim, seguindo princípios inacessíveis à compreensão humana, estas coisas acontecem nutridas por fonte desconhecida que gostamos de imaginar altamente colocada na hierarquia divina.

Aonde toco quase sangra, de tanto doer. A exaustão tende a desligar-nos do nosso centro, mas um caminho só vale se o conseguirmos percorrer até ao fim, segreda a capricorniana em mim inspirada no mágico Don Juan e num esforço renovado agarro-me às palavras, ao mel infinito das palavras que qualquer coisa podem esboçar, construir num ápice.
Caminhante do trilho espesso, sigo por pedras angulosas aos tropeções no coração da noite, prumo interior em impulso equilibrista, sóis de outras  paragens a sustentarem-me o passo fatigado, canções noctívagas renascidas de cada aperto, numa talvez patética heroicidade filha das circunstâncias.

Para onde sigo só pode haver mais de mim, se os passar , aos portais de abertura baixa, por onde a vida me conduz.
Sustentável, terá de ser, a dureza de prosseguir.